Relato de vivência de uma mãe de 3 filhos, sendo um autista e dois não autistas.
Ser mãe é uma arte, se não é, deveria ser. É um eterno tentar se equilibrar na corda bamba da maternidade com todas as cobranças que a sociedade impõe, somada a todas as demandas da mulher em tempos atuais.
Mas quando falamos em maternidade atípica, que é ser mãe de uma pessoa com deficiência ou de uma pessoa que com necessidades mais específicas, a corda é um pouco mais fina, e achar o 'tão sonhado' equilíbrio se torna muitas vezes exaustivo e frustrante, principalmente quando se tem mais de um filho.
No meu caso são 3: um de 14 anos (neurotípico*), um de 12 anos (autista) e uma de 5 anos (neurotípica*).
Quem tem filhos neurotípico* e neuroatípico** provavelmente entenderá o que estou falando.
Vivo com a constante dúvida e autocobrança de: "Será que estou dando atenção a todos? Será que dou mais atenção a um do que a outro?" E em muitas das vezes a atenção para um é sempre mais direcionada àquele que precisa de mais atenção do que ao outro. Eu tento, de alguma forma, suprir isso, mas não sei se consigo sempre.
Por mais que eu não queira um demanda mais atenção do que o outro, agora em quarentena por exemplo, enquanto um (o mais velho) tem total independência pra realizar suas atividades escolares, e a mais nova eu consigo que realize as atividades escolares diárias em pouco tempo, o do meio necessita que esteja ao lado orientando constantemente, ora pra traduzir sobre qual o objetivo da atividade que o professor pediu, pois muitas vezes não está explícita para ele, ora seja orientando nas pesquisas, estabelecendo horários e combinados para conseguir realizar as atividades, e que por conta disso acabam tomando uma boa parte do meu tempo, se comparado com os outros dois.
Dia desses ele teve essa percepção e soltou uma frase que foi como uma facada no peito e um puxão de orelha ao mesmo tempo: "Mãe, sabe o que pra mim está sendo mais difícil em ser autista? É que ás vezes eu acabo tomando mais o seu tempo e você não consegue dar atenção para os meus irmãos, isso é triste, eles precisam de atenção também." (Olha a empatia aí, minha gente!)
Sim, eu engasguei e respirei fundo, porque é uma verdade, ele estava certo.
Fato é que ser mãe é errar e acertar, e só assim que vamos ajeitando as coisas.
Mas quando se tem um filho com alguma deficiência, administrar a relação com todos os filhos acaba se tornando mais difícil, seguimos com a sensação de não dar atenção suficiente a todos de maneira igual, ou de maneira que eles venham a se sentir supridos o suficiente para não achar que damos mais atenção para um do que para outro.
Nessa quarentena pude notar as diferenças e as necessidades de cada um de uma maneira que a correria do dia a dia não me permitia, e percebi também o quanto ainda não consegui administrar ou equilibrar as coisas para todos. (Mas algo me diz que nunca conseguirei, preciso relaxar e repensar mais sobre isso).
André é inteligente e esperto mas precisa de auxílio para algumas coisas que o irmão de 14 já deixou de ter há muito tempo, e a irmã de 5 anos demanda com bem menos intensidade, querendo ou não ele acaba recebendo um pouco mais da minha atenção.
Fato é que o simples fato de os outros filhos serem mais independentes e autônomos, faz com que corramos o risco de cair em uma armadilha, acharmos que por este motivo eles precisam menos de nós, da nossa atenção, só que precisam tanto quanto.
Então achar esse ponto de equilíbrio torna-se uma tarefa exaustiva muitas das vezes, mas pode ser compensadora.
Dizem que quando nasce um filho, nasce uma mãe, e nasce a culpa também. Maternar é conviver constantemente com a sensação de que nunca estamos fazendo o suficiente. Não existe mãe sem culpa. Ponto!
Se ser mãe não vem com manual, ser mãe atípica vem sem dois manuais.
Não vou dizer que consigo sempre, mas sigo tentando suprir a necessidade de cada um. Quando digo suprir a necessidade é a emocional e pessoal, respeitar a individualidade de cada filho e dar a atenção que cada um precisa, onde cada um vai expressar à sua maneira como necessita da sua atenção. E saber interpretar isso exige sensibilidade, paciência, diálogo, bom humor (sim, é possível!), e o principal: AMOR.
É fácil? Nunca será, mas é isso, ser mãe por si só dá trabalho, pois além de criarmos os filhos estamos formando cidadãos, queremos que sejam pessoas de bem e que não carreguem os traumas que nós (mães/pais) carregamos ao longo da vida.
Enfim, maternar é uma arte que se aprende vivendo.
Eli Nobrega - Por falar em Autismo
- Legenda:
*Neurotípico: ou NT, uma abreviação de neurologicamente típico, é um neologismo amplamente utilizado na comunidade autística como um rótulo para pessoas que não estão no espectro do autismo.
**Neuroatípico: refere-se a pessoas cuja estrutura ou função neurológica não se encaixa no que a comunidade médica define como "normal"
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