Dia desses aconteceu algo interessante aqui em casa.
Fizemos um bolo, e como nosso forno está ruim acabou queimando um pouquinho no fundo.
André sentou para almoçar e eu deixei a fôrma em cima da mesa próxima a ele, enquanto arrumava a pia para deixá-la de molho.
Poucos minutos depois ele arrastou a cadeira pra trás com uma expressão um pouco apavorada e com a voz levemente alterada falou: “Mãe, que cheiro ruim! Esse cheiro arde meu nariz!”
Parei o que estava fazendo e pedi pra ele repetir.
- Esse cheiro entra no meu nariz queimando, que sensação horrível, me dá agonia! – Disse ele já bem incomodado.
Imediatamente eu tirei a fôrma de perto dele e ficou tudo bem, ele seguiu fazendo a refeição.
Alguns minutos depois eu perguntei se estava tudo bem, ele afirmou que sim e continuou comendo.
Então eu perguntei se ele tinha noção da importância do que ele fez, obviamente ele não entendeu nada, e segui explicando.
- André, conheço autistas que entram em crise só por sentirem o cheiro de algo, pois gera uma sobrecarga sensorial.
- E o que é isso?
- Sobrecarga sensorial é quando um dos seus sentidos fica sobrecarregado, ou seja, recebe uma carga de informação maior do que o seu organismo pode processar naquele momento.
Alguns autistas entram em crise porque não conseguem comunicar o que estão sentindo, outros sequer conseguem entender.
Você conseguiu perceber, reconhecer, entender e comunicar descrevendo o que estava te incomodando, parece algo simples mas é importante.
Se eu não tivesse tirando a bandeja de perto de você, o que você faria?
- Eu ia sair de perto.
- Pronto! Só que tem muitos autistas que não conseguem sequer fazer isso, gritam, choram, se jogam no chão, e não é por birra ou falta de educação, é crise, não conseguem se expressar da maneira que as pessoas entendam para ajudá-lo, e reagem da forma que conseguem, pois é algo que foge do controle.
- Então o que eu fiz é importante?
- Sim, você não só percebeu e entendeu como comunicou, relatando inclusive a sensação de dor (queimação).
- Isso é bom, né?
- Com certeza!
Continuou comendo e saiu.
Depois fiquei refletindo.
O quão importante foi e é falar para ele sobre a sua condição, explicar como o organismo dele reage a estímulos, mudanças, sentimentos, sensações. (Veja em Devo contar ao meu filho que ele é autista?)
Vejo o quanto ele tem amadurecido, a consciência e o autoconhecimento fazem com que ele se expresse cada vez melhor e vá buscando maneiras de reagir e se expressar em situações que causem incômodo.
Quando mais novo, antes mesmo de ter o diagnóstico, ele tinha rompantes de agressividade, e mesmo após o diagnóstico eles ainda aconteciam.
Sempre que possível eu explico a ele sobre autismo, sobre como ele sente e vivencia as coisas, as situações, e hoje já com mais maturidade, entendimento e consciente, percebo que grande diferença faz.
Fico pensando que quando tudo era recente, e quando eu ainda não tinha as informações e conhecimento que tenho hoje, como foi pra ele? Quantas vezes ele teve uma crise “do nada” por conta do cheiro de alguma coisa? Nunca é do nada, nunca é.
O cheiro nunca nos causou problemas, não que eu me lembre, as questões sensoriais dele são mais ligadas a audição e ao tato, mas é bem possível que em algum momento o cheiro tenha lhe causado desconforto e ele não tenha conseguido se expressar.
Por isso reforço a importância de conscientizar, de falar para um autista sobre a sua condição, e usar de todas as ferramentas disponíveis e possíveis para que ele entenda as sensações, emoções, maneiras de se expressar, de se comunicar, seja de forma verbal ou não, pois isso o ajuda a sentir-se mais seguro e a buscar formas de lidar com suas próprias questões amenizando cada vez mais o impacto que essas situações podem causar.
Eli Nobrega - Por falar em Autismo
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